1 de março de 2011

A Vila Economizadora

No começo do século XX, a cidade de São Paulo começou a tornar-se a maior cidade do Brasil. Centenas de migrantes, vindos de outros países e outros estados brasileiros, chegavam à cidade todos os dias; a maioria deles trabalhava no comércio e principalmente nas indústrias, instaladas perto das linhas de trem. Os trabalhadores imigrantes residiam nos cortiços, de forma muito precária, ou em moradias especialmente construídas para eles: as vilas operárias. A Vila Economizadora foi uma delas.

Construída entre 1905 e 1908, no bairro da Luz, vizinha à estrada de ferro Santos — Jundiaí, a Vila Economizadora é formada por 135 casas de até 130 metros quadrados de área, alugadas para as famílias dos trabalhadores. O desenho das fachadas das casas é influenciado pelo estilo Art Nouveau. Desde 1982, o conjunto das casas é tombado.

Em fevereiro de 2010, estudantes de arquitetura da Universidade Paulista visitaram a vila operária, conforme o vídeo a seguir. Curtam!


11 de fevereiro de 2011

Arquitetura barroca na América Latina

Arquitetura barroca
Uma obra de arte barroca é dinâmica, movimentada; simplesmente exagerada; sua linguagem é rebuscada, exuberante e até mesmo cansativa. É um jogo entre claro e escuro, gozo e dor, céu e inferno, pecado e perdão. A graça do Barroco é a sua expressividade, a sua emotividade.

Bernini. O Êxtase de Santa Teresa (detalhe). Igreja de Santa Maria della Vittoria, Roma.

O Barroco surge na Itália no século XVI e ao longo de 200 anos se espalha pela Europa e, via Espanha e Portugal, também pela América; se opõe aos valores da Antiguidade clássica resgatados pelo Renascimento. Assim, se antes buscou-se a racionalidade, a proporcionalidade, o equilíbrio, enfim o “Homem como medida para todas as coisas”, o Barroco elegeu a grandiosidade, a monumentalidade e a suntuosidade para, no final das contas, servir como demonstração de poder: da Igreja perante os seus seguidores; dos reis perante os seus súditos.

A cidade barroca pretende ser a capital da sua região, o centro do poder do Estado sobre o território; ela é atravessada por vias largas e extensas que convergem em praças rodeadas por edifícios. Monumentos como estátuas e obeliscos são posicionados no centro das praças e os edifícios importantes, interligados pelas grandes vias, a fim de compor uma perspectiva grandiosa. Assim foi feito em Paris e também em Roma — a capital do Barroco.

Na pintura e na escultura, artistas como Caravaggio, Bernini e Aleijadinho criaram obras tensas e dramáticas, que sugerem ação e movimento. Na arquitetura, as composições se baseiam em formas e linhas curvas, como elipses e espirais; edifícios de fachadas sinuosas e plantas elipsóides e poligonais quebram o rigor imposto pelos ângulos e linhas retas da arquitetura renascentista. Pinturas, baixos-relevos, azulejos e esculturas decoram as superfícies internas e externas e formam, junto com a arquitetura, conjuntos artísticos exuberantes e, no limite, hipnóticos.

O mestre italiano Michelangelo é considerado o pai do Barroco; algumas obras, como a cúpula da basílica de São Pedro, em Roma, não seguem as proporções clássicas consagradas pela arquitetura renascentista. As ideias de Michelangelo provavelmente influenciaram artistas e arquitetos como Vignola, Bernini e Borromini; a igreja de Jesus (Il Gesù), em Roma (1568), cujo desenho combina elementos renascentistas e medievais, serviu de referência para o projeto de igrejas barrocas em Portugal, Espanha e nas colônias destes países na América.

Imagem atual da igreja de Jesus (Il Gesù), em Roma. (Foto: Marcin Markowski | Panoramio)

Na Itália e nos países do centro da Europa, os edifícios genuinamente barrocos possuem plantas elípticas e fachadas sinuosas, como as igrejas de San Carlo alle Quattto Fontane (de Borromini, 1633) e de Santo Andrea al Quirinale (de Bernini, 1568-78). Na França, a arquitetura barroca desenvolveu-se de forma intensa e produziu uma obra-prima monumental: o palácio de Versalhes, residência dos reis franceses; ainda na França, no século XVIII, o Barroco evoluiu na direção de obras leves, suaves e galantes: o Rococó.

Na Espanha e em Portugal, a arquitetura barroca desenvolveu-se lentamente, devido às influências do Renascimento e do Maneirismo, e serviu, geralmente, para decorar edifícios — especialmente os religiosos: igrejas, conventos e mosteiros. Assim, nos dois países, os interiores das igrejas construídas até meados do século XVIII são ricamente decorados por azulejos, pinturas e relevos de madeira entalhada nas paredes. Destacam-se os retábulos, também de madeira entalhada, quase sempre folheados a ouro, posicionados no altar-mór e nas laterais da nave. No entanto, as plantas das igrejas são retangulares e as fachadas, simples, de linhas retas e poucos ornamentos.

A influência clássica ainda foi mais forte na Espanha, onde destacam-se os projetos de Juán de Herrera (mosteiro de El Escorial, catedral de Valladolid); neste país a arquitetura barroca manifesta-se com força a partir de fins do século XVII, com o surgimento do churrigueresco, um tipo de decoração suntuosa que se aplicou nas fachadas e interiores dos edifícios (cartuxa de Granada, catedral de Toledo). Esta linguagem foi levada às colônias na América, onde continuou a se desenvolver e incorporou elementos regionais e também do Rococó.

A arquitetura barroca na América Latina

Quando chegou à América, em meados do século XVII, a arte barroca serviu, em quase todas as vezes, para decorar os interiores e fachadas das igrejas, da mesma forma que em Portugal e Espanha. Mesmo assim, em muitos pontos do continente se produziram obras importantes e originais, graças às contribuições culturais dos indígenas e dos africanos, em conjunto com os conhecimentos artísticos trazidos pelos religiosos católicos e engenheiros-militares vindos da Europa.

As colunas salomônicas, presentes no baldaquino de Bernini na catedral de São Pedro, em Roma, aparecem quase sempre nos retábulos das igrejas barrocas no Brasil, México e outros países. Em Quito, hoje capital do Equador, a entrada da catedral de La Compañia é ladeada por dois pares de salomônicas; a fachada da catedral é decorada à maneira do Barroco italiano; no interior, os altares, os púlpitos e capelas são revestidos de madeira entalhada folheada a ouro.


A igreja de La Compañia, em Quito.

No Peru, predominou na construção dos templos o chamado estilo Cuzco, caracterizado pelo posicionamento de duas torres sineiras nas laterais de uma fachada quadrada e simples, e no centro desta há um portal rebuscado, bastante elaborado; o espaço interior é dividido em três naves retilíneas e possui um altar-mór barroco: assim é a catedral de Cuzco, projetada pelo jesuíta flamengo Juán Bautista Egidiano; também nesta cidade se destacam as igrejas projetadas pelos arquitetos indígenas Sahuaraura e Tuyru Tupac.

Aspecto da Catedral Metropolitana do México. (Foto: Anna Maj Michelson |  Flickr)


O desenho da grande Catedral Metropolitana da Cidade do México, iniciada em 1571, é influenciada pelo estilo clássico de Juán de Herrera, e uma decoração suntuosa é aplicada sobre seus interiores. O altar principal da catedral — o Altar dos Reis — é uma espécie de composição vertical emoldurada por colunas chamadas estipes; o altar cobre totalmente a ábside da nave principal e sua decoração é tão exuberante que chega a hipnotizar os devotos: é o ultra-barroco em ação.

O Altar dos Reis situa-se na extremidade da nave principal da Catedral Metropolitana do México.
(Foto:  Friendly Boy David | Wikimedia Commons)

Na América Espanhola, artífices indígenas e mestiços criaram ambientes ao mesmo tempo barrocos e animistas e elevaram a arte de decorar para outro patamar. Um dos melhores exemplos deste estilo está no México: a igreja de Santa Prisca, em Taxco.

Vista aérea da igreja de Santa Prisca, em Taxco, México (Foto: Luidger | Wikimedia Commons)


A catedral de Havana, em Cuba, é um dos poucos exemplos de templos que apresentam fachadas sinuosas na arquitetura barroca latino-americana. O jogo formado pelos pares de colunas dispostos sobre o eixo central da fachada conferem a ela um efeito côncavo-convexo, semelhante ao obtido por Borromini na igreja de Santo Andrea alle Quattro Fontane. O conjunto formado pela catedral e a praça à sua frente é bem proporcionado e representativo da sua categoria em toda a América.

A fachada da catedral de Havana.
(Foto: © Spectrum Colour Library/Heritage-Images)


Arquitetura barroca no Brasil

Bons exemplos de igrejas genuinamente barrocas foram construídas no Brasil. No Rio de Janeiro, a igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro (desenhada provavelmente pelo engenheiro-militar José Cardoso de Ramalho) tem a forma de dois prismas octagonais alongados e justapostos, e a única torre é posicionada na frente; na base desta torre há um pequeno pórtico com arcadas onde se encontra a entrada principal.

A igreja de São Pedro dos Clérigos, também construída no Rio de Janeiro entre 1733 e 1738, tinha uma planta elipsóide ladeada por ábsides curvas; a fachada curva era flanqueada por duas torres circulares. Esta igreja (demolida em 1944) foi a primeira construída no Brasil com essas características e provavelmente influenciou o desenho de certas igrejas erguidas mais tarde em Minas Gerais.

A igreja de São Pedro dos Clérigos, no Rio, no final do século XIX.
(Foto: Marc Ferrez | Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro)


Em Salvador, em 1739, iniciou-se a construção da igreja da Nossa Senhora da Conceição da Praia, projetada pelo engenheiro-militar Manuel Cardoso de Saldanha. Os cantos da nave são chanfrados, dando ao interior uma forma poligonal, semelhante a igrejas portuguesas como a do Menino-Deus em Lisboa. As duas torres da fachada estão dispostas na diagonal, acompanhando a forma da nave.

Arquitetura barroca em Minas Gerais

No estado de Minas Gerais estão belíssimos conjuntos arquitetônicos e urbanísticos construídos ao longo do século XVIII. As residências, os edifícios governamentais e, principalmente, as igrejas — erguidas no alto do morros, elas se destacam na paisagem — formaram cidades singulares como Ouro Preto.

As primeiras igrejas barrocas mineiras também eram desenhadas conforme o modelo maneirista adotado em outras regiões do Brasil até então: plantas retangulares e fachadas planas, como o desenho da catedral de Mariana. Mais tarde, constroem-se igrejas como a de Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto (desenhada pelo engenheiro-militar Pedro Gomes Chaves); apesar de ter um formato retangular nos lados externos, o interior é um polígono de dez lados, definido pela talha dourada de Antônio Francisco Pombal.

A igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Minas Gerais, em 2006. (Foto: João Robson | Panoramio)


As inovações prosseguiram em obras como a da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, também em Ouro Preto (de Antônio Pereira de Souza Calheiros, iniciada em 1757); a planta desta igreja é formada por três elipses justapostas ladeadas por torres circulares; na entrada, uma galilé de três arcos.

A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Ouro Preto.
(Foto: Espartaco Madureira Coelho | DominioPublico.gov.br)

A partir da segunda metade do século XVIII, o Rococó passa a influenciar a arte colonial. Na arquitetura, de forma geral, o Rococó foi adotado na decoração das fachadas das igrejas (onde destacam-se as portadas esculpidas pelo grande escultor Aleijadinho) e trouxe efeitos de tridimensionalidade como superfícies onduladas, torres giradas e recuadas em relação à fachada. O Rococó também tornou mais leve a talha em madeira, que passou a revestir apenas parte das paredes internas das igrejas.

Um bom exemplo é a igreja de Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto (iniciada em 1766); sua fachada ondulada possui uma cornija semi-circular, situada acima de um lóbulo trilobado. Torres também semi-circulares estão recuadas em relação à fachada. A cartela da portada, onde o escudo da Ordem do Carmo é envolvida por rocalhas (um motivo assimétrico em forma de concha, típico do Rococó) e segurado por dois anjos, é obra de Aleijadinho. O projeto original da igreja é de Manuel Francisco Lisboa, irmão do Aleijadinho.

Vista da fachada da igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto, Brasil.
(Foto: Sarah and Iain | Flickr)


Ainda em Ouro Preto, a igreja da Ordem Terceira de São Francisco é outro belo exemplo. Iniciada por volta de 1765, esta igreja possui uma fachada apreciável: torres circulares coroadas por cúpulas bulbosas e bem recuadas em relação à fachada; duas colunas delimitam a parte central da fachada e sustentam um frontão quebrado. A portada de pedra-sabão e a talha que ornamenta a nave também são do Aleijadinho; a pintura no forro da nave é do Mestre Ataíde.
A igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. (Foto: Sarah and Iain | Flickr)

O ponto alto da arte mineira do período é o Santuário do Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas do Campo (iniciada em 1757). É um conjunto formado por uma igreja erguida no alto de um morro; para alcançá-la, os devotos passam por várias capelas com representações da paixão de Cristo; no trecho final sobe-se uma escadaria que conduz ao adro em frente à igreja; no fim, dentro da igreja, encontra-se a imagem do Bom Jesus do Matosinhos. A escadaria ainda é decorada por doze estátuas de pedra-sabão de profetas bíblicos, esculpidas por Aleijadinho e seus oficiais; nas seis capelas da primeira parte do santuário também encontram-se esculturas do Aleijadinho. Todo este conjunto paisagístico e urbanístico (as capelas, a igreja, o adro decorado por estátuas) é uma obra-prima do Barroco brasileiro.

Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Vista da Basílica e adro com escadaria e estátuas, em 2006.
(Foto de Alexandre Machado | Flickr)